Com defesa da Ucrânia, Europa se preocupa com sua própria segurança

Jornalista Eduardo Sartorato analisa é mestre em Relações Internacionais

Compartilhe

Eduardo Sartorato – Especial para o NTH

A briga do presidente americano Donald Trump com o seu par ucraniano Volodymyr Zelensky, no salão oval da Casa Branca, há alguns dias, foi uma tempestade no já revolto mar das relações internacionais europeias. Os principais líderes do continente saíram em defesa do presidente da Ucrânia, diante de um Trump no ataque, jogando na cara de Zelensky a realidade atual da Guerra da Ucrânia: “Você não tem as cartas nas mãos neste momento”.

O apoio europeu a Zelensky, porém, explicita, em primeiro lugar, a preocupação do próprio continente com a sua defesa, principalmente com uma hipotética expansão russa após o fim do atual conflito armado. Os europeus mostram que a apreensão com a tão propagada integridade territorial da Ucrânia é completamente secundária, perto do temor de que o presidente da Rússia, Vladimir Putin, possa querer novos ganhos territoriais na Europa após o cessar-fogo.

“Não é rara a discussão da criação de um possível Exército Europeu”

A segurança da Europa – na época, a Europa Ocidental -, foi delegada à Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) a partir de 1949, com a bênção dos EUA, seu maior membro. Era de interesse dos americanos frear a expansão soviética durante a Guerra Fria, o que os tornaram o grande ator da segurança do continente. Até hoje, apesar dos exércitos nacionais e de dois países (Reino Unido e França) terem declaradamente a capacidade de produzir e estocar armamentos nucleares, a Europa precisa do apoio americano para garantir a sua defesa.

Não é rara a discussão da criação de um possível Exército Europeu, que ganhou força no início do século XXI. Tal projeto, porém, é de dificílima concretização, já que a Europa não é um país único, mas formada por quase 30 Estados (UE) com visões, histórias, culturas e interesses diversos.

A aproximação de Trump com Putin, defendendo negociar o fim da Guerra da Ucrânia sem a participação da própria Ucrânia e da UE, colocou, novamente, o assunto em pauta. A Europa teme que os EUA se posicionem estrategicamente mais perto da Rússia do que do próprio continente, o que traz insegurança. A própria UE já prepara, às pressas, um plano de rearmamento do continente que pode chegar a 800 bilhões de euros, valor apresentado essa semana pela presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen.

O grande temor europeu é de que a Rússia, após sair vitoriosa da Guerra da Ucrânia e com boas relações com os EUA de Donald Trump, possa dar início a uma expansão de seu território contra países que faziam parte da antiga União Soviética, como é o caso da Ucrânia. Isso, sem dúvida, colocaria em xeque a paz em diversos países da União Europeia e poderia levar o mundo a uma guerra mais ampla.

“Em um futuro próximo, Trump poderá ter entregue – ou, ao menos, – contribuído muito com uma possível independência militar da Europa”

A possibilidade de Putin se arriscar em novos conflitos na Europa, porém, é remota. Primeiro, porque a Rússia hoje é um país rodeado de nações que, diferentemente da Ucrânia, fazem parte da Otan. Os países bálticos – Lituânia, Letônia e Estônia -, que faziam parte do grupo soviético, são hoje parte da aliança militar ocidental. A Finlândia, que poderia ser um alvo, fez, às pressas, a sua adesão após a invasão russa da Ucrânia.

Segundo, a Rússia se desgastou muito com a guerra. Apesar de, provavelmente, sair vitorioso, Putin teve embates internos devido às sanções econômicas e problemas com o seu próprio exército. Se viu obrigado a se armar com o grupo mercenário Wagner, que se rebelou contra o líder russo e marchou contra Moscou em meados de 2023. A crise acabou com a morte do seu líder, Yevgeny Prigozhin, ex-aliado de Putin, em um desastre aéreo que levantou suspeitas. A falta de soldados no front também ficou explícita quando Putin fez um acordo com a Coreia do Norte, no ano passado, que forneceu “mão-de-obra” para a frente de batalha.

De qualquer forma, a discussão interna na Europa, de como se defender sem poder contar com o seu principal aliado, é importante e será a tônica nos próximos meses. Se um Exército Europeu é um sonho distante, pelo menos uma junção de esforços entre os principais países da UE será perseguida. Em um futuro próximo, Trump poderá ter entregue – ou, ao menos, – contribuído muito com uma possível independência militar da Europa.

Eduardo Sartorato é jornalista e mestre em Relações Internacionais pelas Universidades de Viena e Wroclaw

Para mais assuntos internacionais, acesse Mundiateca – www.mundiateca.com.br
Instagram – @mundiateca