Leis de proteção às crianças enfrentam cultura de violência no país

Neste ano já foram feitas mais de 129 mil denúncias de violações

crianças de costasFoto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil

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  • Leis de proteção às crianças

O contorno com a família em mãos dadas, o balão colorido com as crianças, e o cata-vento.

Nas paredes e muros na região administrativa do Cruzeiro (DF), a conselheira tutelar Viviane Dourado, de 49 anos, resolveu traduzir ideais com tintas e pincel.

Ela, que é designer e educadora social, entende que a arte pode ser estratégia para aproximação com famílias para combater a violência contra a infância.

Viviane lembra dos tempos de criança, quando recebeu castigos, com beliscões e tapas desnecessários.

Mas são as tintas também do passado que a inspiraram a ser mãe solo, educadora e profissional na luta contra essa conduta.

Nos tempos da infância de Viviane não existia legislação como as de hoje.

Aliás, no último dia 26, a Lei Menino Bernardo, também conhecida como “Lei da Palmada” (Lei 13.010/2014), completou uma década.

Esse regramento, em complementação ao Estatuto da Criança e do Adolescente, garante o direito a uma educação sem o uso de castigos físicos ou de tratamento cruel.

A lei foi batizada assim para lembrar a morte do menino Bernardo Boldrini, de 11 anos, que foi vítima de agressões e morto pela madrasta e pelo pai, em Três Passos (RS), em abril de 2014.

Dor em casa

De acordo com a promotora de Justiça Renata Rivitti, do Ministério Público de São Paulo, a lei é um marco para o Brasil, um país em que ainda existe, de forma arraigada, uma percepção distorcida de que a educação precisa ser rígida.

“Há ainda uma romantização e uma crença real de que educar com violência é legítimo e seria para o bem da criança ou adolescente”. Ela explica que a lei reafirma a ilicitude e a ilegalidade do castigo físico.

A promotora, que é da coordenação do Centro de Apoio da Infância do MP, avalia que, de fato, existe esse problema cultural.

“Dentro de casa, há uma legitimação da violência”. Seja como uma forma deturpada de educar ou de corrigir. “Existe uma carga histórica e cultural do nosso país”.

De acordo com informações disponíveis no Painel de Dados da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos (via Disque 100), houve, no país, neste ano até o último dia 23 de junho, 129.287 denúncias de algum atentado à integridade contra crianças e adolescentes.

O mesmo painel apresenta que, desse total, 81.395 casos (62%) foram dentro de casa (onde moram a criança vítima e a pessoa suspeita).

O painel disponibilizado pelo ministério dos Direitos Humanos considera que essa violência à integridade compreende violações físicas, de negligência e psíquica.

Quem denuncia, em geral, são terceiros. No entanto, chama atenção que 8.852 crianças conseguiram pedir ajuda diante da violência que sofriam.

Distorção

A pesquisadora em direitos da infância e em ciências sociais Águeda Barreto, que atua na ONG ChildFund Brasil, considera que a lei Menino Bernardo tem um caráter pedagógico e preventivo.

A pesquisadora recorda que, em 2019, a entidade fez levantamento com crianças brasileiras e contabilizou que 67% delas não se consideravam suficientemente protegidas contra a violência.

A pesquisa Small Voices, Big Dreams (Pequenas vozes, grandes sonhos) para o Brasil mostrou, além disso, que 90% das crianças rejeitam o castigo físico como forma de educação.

Águeda Barreto explica que a legislação coloca como dever do Estado, da família e da sociedade, fazer a promoção de educação baseada no respeito.

Mas, para ela, são legislações que se mostraram como evoluções a partir da Lei do Menino Bernardo e do Estatuto da Criança e do Adolescente, de 1990, uma das primeiras legislações mundiais sobre o tema.

Para sair do papel

Foi uma novidade considerar a criança como um sujeito de direitos, mas o desafio ainda é grande.

“A gente tem percebido que a educação violenta de crianças é muito naturalizada no contexto brasileiro”.

“Há uma cultura que nós vivemos no Brasil que a gente chama de adultocêntrica. Muitas vezes, as crianças são empurradas como uma posse do adulto”, conforme avalia a pesquisadora.

“Nós brasileiros não estamos ainda indignados o suficiente e cobrando. Não existe campanha, não existe alerta, não existe informação. Pois, quanto menos se fala disso, menos a gente entende a gravidade da situação”, afirma a promotora.

Fonte: Agência Brasil

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